Butiazais de Tapes





Terça-feira, 31 de Março de 2009
Butiazais de Tapes I

Entre “Macondo”, cachaças e butiás (I)
Por Sílvio C. Camargo
Tenho um amigo que diz que Tapes lembra Macondo, a cidade fictícia do mais genial livro de Gabriel García Márquez. É um lugar destinado a ser tomado pelas areias, o pó, o esquecimento e o desaparecimento das pessoas. Malgrado a ironia, as areias de fato há décadas já tomam conta do continente, e há décadas foram retiradas para a construção de casas, tijolos e periferias.
Aqueles que hoje têm mais de quarenta anos e conheceram a “namorada da lagoa” (como a cidade é chamada por alguns) há três décadas atrás, e voltam hoje à beira da praia, encontram um exemplar, um modelo por excelência, da destruição do planeta. Nunca fui ambientalista ou militante ecológico, por mais simpatia que tenha por estes. Sempre tive inúmeras restrições quanto à compreensão destes, em sua maioria, quanto à relação entre natureza e capitalismo (Camargo, 2006 a). Mas, há uns dois meses atrás, ao digitar num site de buscas o nome de minha cidade natal, descobri que a floresta de butiás que se localiza entre Tapes e Barra do Ribeiro não só sofre ameaças de destruição como comporta uma singular riqueza de biodiversidade. Qualquer tapense da minha geração já ouviu falar ou esteve “lá pras bandas dos butiá”, lugar fantástico, belo, único. Estive lá, no coração dos butiazeiros uma única vez, aos sete ou oito anos de idade e nunca os esqueci. Aliás, prefiro até ficar apenas com a lembrança, como uma imagem na memória que talvez remeta-nos àquilo que Walter Benjamin chamava de “aura”.
Soube que havia sido construído um “lixão” em meio à floresta de butiás e fiquei estarrecido. E ainda mais com as declarações do prefeito da cidade sobre o assunto. Lembrei de meu amigo, lembrei de Macondo, do absurdo, do fantástico, do irreal, mas nada poético neste caso. Para aquela parte dos já poucos leitores dessas linhas que não conhecem os pampas sejamos claros: Tapes é uma cidade, cujo nome remete a uma tribo indígena do mesmo nome, situada às margens de uma bacia lacustre chamada “saco da lagoa” dos Patos.
Lugar com pouco mais de dez mil habitantes teve bons momentos como pólo turístico, principalmente ao longo dos anos 1970, e depois nos anos 1990 devido a eventos esportivos. O local tem uma beleza enorme, devido a mata nativa que circunda suas praias, com figueiras centenárias, uma fauna e uma flora excepcionais, com espécies hoje reconhecidas quase em extinção pelo meio científico.
Os únicos que não sabem disso são seus governantes e parte considerável de sua população! Enfim, trata-se de um lugar de grande beleza, que como tantos outros vêm sendo destruído ao longo das três últimas décadas. Como tantas cidades gaúchas, o poder local é dominado por uma dúzia de fazendeiros e comerciantes, preocupados apenas com o arroz, a soja, o gado, a monocultura, e...a eternização da ignorância, da prepotência, da brutalidade e da cegueira.Dentro de algum tempo, talvez também fique apenas na memória o sabor de uma das bebidas mais deliciosas que já conheci, um privilégio dos gaúchos, e mais ainda um privilégio dos gaúchos de Tapes; a cachaça curtida de butiá.
Então vivente? Naqueles botecos da Rua 13, da Vila das Dores, da barrinha, do balneário Rebelo...em que se chegava e pairava no ar um cheiro adocicado de cigarro palheiro misturado com o da lingüiça pendurada no balcão...(nada natural) e ao fundo, vidros enfileirados, e entre eles... o mais belo, reluzente, de um amarelo único, só ali existente, o da mais saborosa e alucinante cachaça de butiá. Canha gorda, canha buena, coisa de macho. Canha do compadre valente, e do vivente que não se mixa, de um guasca lá dos pagos, das “bandas dos Tapes”, que traz na mente, no peito e no hálito o cheiro guarani do Butiá de Tapes.Sei apenas superficialmente sobre os atuais movimentos em curso para a preservação tanto dos butiazais como do que ainda resta da cidade. Sei que o movimento existe, e como todo movimento ecológico no Brasil encontra a resistência, mais do que velha burguesia, da falta de esclarecimento daqueles que acham que a história apenas segue.
E ela segue, a passos largos, para o fim do humano, do belo, do cheiro do butiá, que na nova Macondo, vai se tornar palavra do dicionário dos antigos, de velhos malucos, que falavam coisas esquisitas do tipo: pegar um “jundiá na sanga das capivara”.
Índios mesmo!
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